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A sociedade num serviço

Foto do escritor: Sandra BraikSandra Braik

Congelou. Não queria entrar. O suor escorria levando consigo a coragem restante. A porta à frente causava-lhe transtornos e calafrios. Tinha medo de atravessá-la; não pelo que o aguardava, mas por temer recordar sua dor. Tentava esquecer, precisaria adentrar o lugar de qualquer maneira. As poucas horas complementares que tinha vieram-lhe à mente. Poderia ir ao teatro ou exposições, mas não havia tempo suficiente, só isso salvar-lhe-ia o ano quase perdido. A casa amarela não estava longe. Caminhou lentamente por paralelepípedos sombreados pelas árvores altas do estacionamento até chegar ao destino: a grande porta de madeira. Esticou o braço para tocar a campainha, mas a maçaneta ganhara vida antes de conseguir finalizar o movimento. - Bom dia, meu jovem! - disse a funcionária. - Siga-me, por favor. Acompanhou seus passos por um corredor comprido e mal iluminado enquanto observava ao redor. Quartos assimétricos com diversas camas amontoadas compunham a travessia. Contou quinze. Estavam vazios.


- Você fica por aqui – disse distanciando-se.


A mulher com roupas simples o levara até um saguão. Senhores e senhoras em cadeiras de rodas, muletas e andadores compunham o cenário. Uns conversavam entre si, outros olhavam para cima focando as plantas penduradas, ou apenas o nada.


O lugar era deprimente, não por decadência ou simplicidade da construção e da mobília, nem mesmo pela precariedade dos aparelhos médicos, mas sim pela massa invisível de agonia que envolvia a realidade - ou seu pequeno nível - dos residentes.


Por mais alegres que parecessem, transmitiam tristeza. Embora sorrissem, escondiam a lamúria interior do vazio inconsciente.


O garoto não sabia o que fazer. Se falava sobre o tempo, a infância ou se perguntava se gostavam de matemática. Enquanto devaneava, um senhor fardado colocava compulsivamente biscoitos na boca e empurrava as rodas de sua cadeira para perto dele. Parou a seu lado e sem dizer nada e entrelaçou-lhe os dedos. Com as mãos melecadas de bolacha mal mastigada, o rapaz não sentiu nojo ao segurá-las, apenas seu calor. Ficaram assim por horas, em silêncio.


Quando a Lua começava a mostrar seu brilho, o senhor, com dificuldades, balbuciou:


- Obr... obr... obrigado.


Observou-o tão frágil e inocente; a imponência passava longe daqueles olhos de ex-sargento do exército. Tanto conhecimento e bravura transformados em incapacidade da fala coerente.

Sentiu o carinho, a saudade de seus avós e a emoção do instante. Sentiu uma lágrima. Relembrou das horas atrás na porta de entrada. Descobriu finalmente o que realmente sentia. Não era o medo de estar ali, e sim vergonha por ter pensado que aquilo eram apenas horas complementares.


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Há males por toda a parte. Alzheimer, Parkinson, João, José... O pior deles é o da ignorância.

O maior benefício em abraçar a sociedade, é aquecer a si mesmo. É ter consciência de que enxergar a vida, é envolver-se dela. E assim se vai a vida, sabiamente perdida, ou inconscientemente esquecida.

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