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Desdobrou a toalha e jogou-a ao alto com cuidado. Vestiu a mesa de listras e utensílios. Os copos estavam perfeitamente posicionados ao lado esquerdo de cada prato e os talheres à direita. Aprontara com extremo empenho. Gostava de uma boa apresentação, a comida ficava mais gostosa.
Sorriu. Estava tudo impecável.
(Toc, toc, toc)
- Querido, vá ver quem é, por favor!
Fernando olhou pelo buraco da fechadura. Os sapatos pretos que já conhecia aproximavam-se. Abriu.
- Oi, papai! – disse, abraçando-o.
O homem retribuiu o gesto bagunçando-lhe os cabelos lisos. Andou até a sala e colocou sua pasta no sofá perto da tevê. O cheiro delicioso levou-o à cozinha.
- Boa noite, meu bem – cumprimentando a esposa e beijando-lhe os lábios.
- Boa noite! Como foi o trabalho?
- Ah, foi bem agitado. Teve um cliente que... Mas quantas vezes eu já disse pra não mexer naquela gaveta, mulher?! Que inferno! – Berrou, puxando a toalha da mesa num movimento rápido.
O barulho dos talheres tocando o chão e dos pratos quebrando distanciou o garotinho do desenho animado. Foi até a cozinha.
- Mas Rodolfo, eu só queria deixar a mesa bonita!
- NÃO INTERESSA!!! Ninguém pega a toalha da minha mãe!
Fernando, assustado, correu e escondeu-se embaixo da cama tapando os ouvidos. Seu quarto era o abrigo para dias frequentes como aquele. Por que brigavam tanto? Nunca entendera. Apesar de seus 7 anos, já questionava a estupidez da discussão por tolices.
Ao lado da poeira amiga, no piso frio, um quadrado rosado. Curioso, apanhou o objeto e levou-o para perto de seus olhos. Parecia um remédio, mas era atraente como uma bala. Como fôra parar ali? Os medicamentos ficavam no banheiro.
Continuou olhando, interessado. Os gritos perduravam. A dor por seus pais brigarem era intensa. Rasgou o envelope com os dentes e pôs o conteúdo na boca. “Diferente... gostoso” – pensou.
A doçura fazia-o sentir-se melhor. Agora sabia para onde correr e, a partir daí, começou a rezar para que brigassem sempre.
Diversos refúgios estão presentes na vida para o alívio sintomático do sofrer. Alguns são automáticos, imperceptíveis e mais perigosos que o próprio problema em si.
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