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Dino charuteiro

Foto do escritor: Sandra BraikSandra Braik

Dino e Deno (não confundam com Gino e Geno. Agora que falei vocês vão pensar em violão e chapéu, mas por favor não lembrem de nenhuma canção, senão ficará na cabeça e vocês vão acabar musicalizando esse texto. Ninguém mandou você fazer esse comentário aqui, Sandra, vocês poderiam dizer. Tem razão, da próxima vez fico quietinha. Vou repetir o começo da frase desse parágrafo porque nesse momento já devem ter esquecido do que se trata. Dino e Deno...) viviam em uma loja de entretenimento indoor num shopping da capital. Sua inauguração estava próxima, faltava apenas fixar o carpete na área do carrinho bate-bate e inserir os banners com a promoção da semana. Tudo caminhava bem para que pudessem fazer a open, marcada para às 10h do mesmo dia.


Helena, a gerente, pediu que eles se juntassem aos demais brinquedos e animas que lá trabalhavam e que fizessem um círculo no meio do estabelecimento para que ela pudesse passar as últimas instruções.


- Muito bem, pessoal – disse, ela – nosso propósito é entreter os visitantes, que em sua maioria são crianças, portanto, sorriam sempre! Lembrem-se do nosso treinamento da semana passada: Aqui nosso tema é diversão!


Todos bateram palmas. Deno, que era ótimo aluno e prestava atenção sempre, guardou muito bem as palavras na cabeça.


Dino mal ouvira a gerente, sua única preocupação era se divertir; e logo. Não gostava de trabalhar, mas precisava do dinheiro para sobreviver. Queria escapar um pouquinho (ou, sem eufemismos, muito mesmo, segundo seu pensamento) por dia do seu turno de 8 horas para dar uma voltinha (ou uma voltona. Já sei, segundo os pensamentos dele) nos brinquedos.


Apesar de terem saído do mesmo lugar e, por sinal, quase ao mesmo tempo, sua única semelhança era serem dinossauros rosa; suas personalidades eram mais incompatíveis que antônimos.


Antes de abrirem a loja, por volta das 9h30, Deno, proativo, já em seu posto de trabalho trajando seu crachá, foi conversar com o irmão, animado, pois seria a primeira vez na vida que trabalhariam juntos no mesmo brinquedo. Olhou para o lado, mas ele havia sumido. Será que havia se perdido? Dino não era muito bom com placas de sinalização, se ele fosse o João, da Maria, certamente não encontraria o caminho de casa. Preocupado, Deno foi correndo procurar por ele.


Olhou no fliperama, na máquina de dança e nada. Quando chegou no equipamento de realidade virtual, lá estava o Dino com seus óculos ridículos retangulares e pretos postos descendo a montanha russa imaginária e mexendo os bracinhos mostrando gostar. Deno, que era mais baixo que ele, porém mais forte, o puxou pelo rabinho, o arrastou e o colocou de volta sentado no banco de seu posto.


- Pronto, agora sim. Ai, estou tão animado, não vejo a hora de conversar com as crianças! - E você, Dino?


Silêncio.


- Dino?


Silêncio.


E o danado havia sumido novamente. Lá foi Deno procurar por ele e o encontrou jogando um lero na Flávia, a moça encarregada da venda de cartões de acesso ao parque. Novamente o puxou pelo rabinho, voltou para seu posto, pegou uma cola no bolso, besuntou o banquinho, com as duas mãos o levantou pelas axilas e colocou o monstrinho sentado, grudadinho. Dino reclamou, xingou, tentou se mexer, mas a cola tinha o efeito rápido e não conseguiu se mover da cintura para baixo. Deno olhou para o relógio da loja.


- Vishi Maria, são 9h45! Já vão abrir! – disse, entusiasmado.


Dino só olhava feio para ele, reclamava e ameaçava o irmão dizendo que se a cola não saísse até o final do expediente ele estava jurado de morte. A gerente foi passando de estação em estação para checar se estava tudo em ordem e chegou a vez deles.


- Tudo certo aqui... opa, faltou isso – disse, ela, e meteu dois rolos marrom em suas bocas.

Deno, comportado, ficou quietinho firmando o objeto, mas como era de se esperar, o revoltado gêmeo tirou o troço da boca com a mão, cuspindo e abrindo e fechando a cavidade bucal como que para sentir o gosto que havia ficado nos lábios. Levou o rolinho até perto das vistas e sua cara enrugada se transformou em olhos arregalados. Um sorriso se armou.


Colocou novamente a peça na boca e começou a procurar algo no bolso. Ainda bem que o retardado não colou meu bolso, pensou.


- Que você está fazendo?


Sem responder, Dino continuou procurando.


- Abriremos em 5 minutos, pessoal! Lembrem-se do combinado e de nossa missão: fazer as crianças se divertirem! – disse, Helena.


Escutando o alarme verbal, Dino enfiou o braço até o cotovelo na bermuda e retirou uma caixinha amarela retangular. Pegou um palito de dentro, raspou-o na lateral e um foguinho surgiu.


- Ah, meus Deus! O que está fazendo!? - Deno gritou como se alguém tivesse morrido, tão forte que acordaria até o morto e sua família toda também morta anos antes dele.


- Shiiiii! Tá maluco? Vai chamar atenção! – disse, Dino.


- Mais do que esse fogaréu? - disse, Deno.


- Ah, para, vai! Nunca viu um fósforo?


Enquanto Dino dizia isso Deno soprou apagando o fogo.


- O que vai fazer com isso?


- O que acha? Fumar meu charuto.


Deno riu.


- Mas é muito besta mesmo. Claro que não é um charuto!


- Lógico que é! – disse, acendendo mais um. Deno o soprou.


- Para com isso, imbecil!


Mas não adiantava, Deno sempre vencia. O irmão estava com o bumbum preso ao assento e não conseguia esconder o fósforo antes que o ventilador bucal semiprofissional fosse acionado.


- Eu só quero fumar meu charuto em paz, diabo!


E essa briga continuou por mais cinco minutos até dar 10h e acabarem os fósforos. Deno riu, feliz com a vitória. Os portões automáticos começaram a subir e o barulho dos passos foi ficando maior. Os dois olharam para trás e viram um mundaréu de pessoas vindo, correndo, loucas, como se o mundo fosse acabar e como se no céu não tivesse fliperama.


- Lá vem eles! – disse, Deno, animado. - Comporte-se e obedeça ao seu irmão mais velho.


Dino somente fez uma careta. Tinha um plano. Ele era muito bom em costura, havia aprendido um pouco mais jovem com sua tia e justo hoje, com sorte, havia vestido sua bermuda de fundo falso. Esperaria o melhor momento para pegar aquilo que estava lá. Só precisava se livrar das crianças. Veio uma querendo brincar com eles, Dino, ligeiro, soltou um grunhido e ela saiu correndo.


- O que está fazendo? – perguntou, Deno.


- Brincando – respondeu, Dino, sarcasticamente.


Os pequenos eram repelidos tal qual mosquito e inseticida. Até que veio um com mãos azuis. Dino achou estranho e observou em detalhes; parecia giz. Deixou-o se aproximar de propósito e quando ele estava quase encostando em seu irmão, mostrou seus dentes ferozes; o infeliz saiu correndo e antes que Deno viesse reclamar de novo quem veio primeiro foi sua rinite.


O coitado começou a espirrar freneticamente. Era a distração que Dino esperava. Colocou a mão no “bolso falso” e tirou dali algo essencial para emergências: seu isqueiro. Feliz com o plano assertivo, segurou firmemente, raspou o dedo na roda acionadora de metal e um belo calor amarelo e azul emergiu, alegrando-o. Ia finalmente acender o charuto. Dino olhou para o lado para certificar-se que seu irmão ainda estava distraído com seus micróbios.


Foi num átomo de distração que uma criança frenética apertou um botão ao lado da cadeira de Dino. Com o susto seu isqueiro caiu apagado ao chão (Graças a Deus para os bombeiros, que poderiam continuar descansando), de seu “charuto” saiu um jato de água e da boca da criança um “aeeeeeeee” de divertimento.

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Zenú coçador

Zenú coçador

2 Comments


Sandra Braik
Sandra Braik
Dec 21, 2022

Muito obrigada, Angélica! Fico feliz em saber.

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gel.urrutia
gel.urrutia
Dec 15, 2022

Ahhhh Sandra!!! Muito bom!!! Adoro sua escrita. Amei essa dupla

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