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Estacionou a moto em frente à casa, girou a perna 180 graus no ar e ficou ereto. Tirou o capacete, segurou-o com o braço em alça de xícara e limpou o suor da testa com o dorso da mão. Enxugou na calça mesmo. Abriu o baú pra pegar o pacote. Era uma caixinha fina, retangular, envolta por plástico amarelo chamativo e um pouco maior que uma palma de mão.
Andou dois passos, agachou e olhou por dentro do portão vazado para ver se tinha cachorro bravo. Não viu nada de cachorro nem de cheiro de cocô. Ding dong, apertou a campainha.
Alguns segundos depois a porta de dentro abriu. Um rapaz de bermuda, regata e arrastando seus chinelos, tranquilo, vem em sua direção.
- Mercado livre! - falou o motoqueiro.
- Opa! - disse o morador.
- Fernando da Silva Andrade?
- Eu mesmo!
- Posso ver um documento?
- Documento? Você só veio entregar minha encomenda, não é?
- Sim, chefe, mas são os procedimentos.
Lá foi Fernando, depois de soltar uma careta segurando a boca com os dentes, entrar rapidinho pra pegar a carteira. Voltou com o RG na mão.
- Aqui - indicou, esticando o braço e colocando o RG perto da cara do entregador.
O motoqueiro olhou pro documento, pro Fernando, pro documento, pro Fernando.
- Não parece você.
- Como assim? - exclamou, puxando o RG de volta pra si e olhando sua própria foto. - Olha pra minha camiseta!
A camiseta do Fernando tinha seu próprio rosto estampado, onde lia-se: "Sou eu, Fernando".
O motoqueiro levantou as sobrancelhas, ainda desconfiado.
- Calmaê - falou, tirando do bolso um interruptor e outra coisa que não dava pra ver muito bem. - Pronto!
Ao apertar o botão, uma setinha vermelha gritante piscava indicando seu próprio nome na camiseta, escrito em letra bastão.
- Não sei, não sei - duvidou o entregador.
- Ah, me dá isso aqui! - disse, Fernando, impaciente, segurando na metade livre do pacote enquanto o motoqueiro segurava na outra, divididos pelo portão.
Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá fazia a coitada da embalagem, como aquelas molas arco-íris de criança que pulam sozinhas se deixarmos muito tempo no sol.
- Para, cara, vai rasgar o pacote! Vou ter que pagar por cada pedacinho desse plástico amarelo fedido.
O vai e vem da caixa realmente estava quase fazendo-a rasgar.
- Vai sim, porque esse frete saiu tão caro que a embalagem deve ser feita de película de diamante. Tô nem aí!
De repente Fernando parou de puxar, o que fez o motoqueiro quase desequilibrar, e emendou:
- E você, hein?
- Eu o quê?
- Você não é o cara que fez merda na festa da Bianca em 97, puxou o nariz do palhaço tão forte que quando o elástico soltou ficou achatado igual aqueles óculos que vem com nariz de batata junto?
- Eu? Eu...
- Você não é o cara que, no ano seguinte, colou 27 chicletes no cabelo da Bianca enquanto ela copiava, concentrada, as equações da lousa?
- Não - voz de choro -, não fui eu não!
Fernando, irritado, rapidamente enfiou o braço todo até o ombro pelo buraco que tinha no portão, puxou a embalagem sem deixar rastros e disse:
- Me dá esse pacote e vaza, cara, vaza!
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