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Mercado livre

Foto do escritor: Sandra BraikSandra Braik


Estacionou a moto em frente à casa, girou a perna 180 graus no ar e ficou ereto. Tirou o capacete, segurou-o com o braço em alça de xícara e limpou o suor da testa com o dorso da mão. Enxugou na calça mesmo. Abriu o baú pra pegar o pacote. Era uma caixinha fina, retangular, envolta por plástico amarelo chamativo e um pouco maior que uma palma de mão. 


Andou dois passos, agachou e olhou por dentro do portão vazado para ver se tinha cachorro bravo. Não viu nada de cachorro nem de cheiro de cocô. Ding dong, apertou a campainha.


Alguns segundos depois a porta de dentro abriu. Um rapaz de bermuda, regata e arrastando seus chinelos, tranquilo, vem em sua direção.


- Mercado livre! - falou o motoqueiro.


- Opa! - disse o morador.


- Fernando da Silva Andrade?


- Eu mesmo!


- Posso ver um documento? 


- Documento? Você só veio entregar minha encomenda, não é?


- Sim, chefe, mas são os procedimentos.


Lá foi Fernando, depois de soltar uma careta segurando a boca com os dentes, entrar rapidinho pra pegar a carteira. Voltou com o RG na mão.


- Aqui - indicou, esticando o braço e colocando o RG perto da cara do entregador.


O motoqueiro olhou pro documento, pro Fernando, pro documento, pro Fernando.


- Não parece você.


- Como assim? - exclamou, puxando o RG de volta pra si e olhando sua própria foto. - Olha pra minha camiseta!


A camiseta do Fernando tinha seu próprio rosto estampado, onde lia-se: "Sou eu, Fernando".

O motoqueiro levantou as sobrancelhas, ainda desconfiado.


- Calmaê - falou, tirando do bolso um interruptor e outra coisa que não dava pra ver muito bem. - Pronto!


Ao apertar o botão, uma setinha vermelha gritante piscava indicando seu próprio nome na camiseta, escrito em letra bastão.


- Não sei, não sei - duvidou o entregador.


- Ah, me dá isso aqui! - disse, Fernando, impaciente, segurando na metade livre do pacote enquanto o motoqueiro segurava na outra, divididos pelo portão.


Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá fazia a coitada da embalagem, como aquelas molas arco-íris de criança que pulam sozinhas se deixarmos muito tempo no sol.


- Para, cara, vai rasgar o pacote! Vou ter que pagar por cada pedacinho desse plástico amarelo fedido.


O vai e vem da caixa realmente estava quase fazendo-a rasgar.


- Vai sim, porque esse frete saiu tão caro que a embalagem deve ser feita de película de diamante. Tô nem aí!


De repente Fernando parou de puxar, o que fez o motoqueiro quase desequilibrar, e emendou:


- E você, hein? 


- Eu o quê?


- Você não é o cara que fez merda na festa da Bianca em 97, puxou o nariz do palhaço tão forte que quando o elástico soltou ficou achatado igual aqueles óculos que vem com nariz de batata junto?


- Eu? Eu...


- Você não é o cara que, no ano seguinte, colou 27 chicletes no cabelo da Bianca enquanto ela copiava, concentrada, as equações da lousa?


- Não - voz de choro -, não fui eu não!


Fernando, irritado, rapidamente enfiou o braço todo até o ombro pelo buraco que tinha no portão, puxou a embalagem sem deixar rastros e disse:


- Me dá esse pacote e vaza, cara, vaza!

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