top of page
Logo_Sandra_OK.jpg

Viseira amadeirada

Foto do escritor: Sandra BraikSandra Braik


Numa pequenina loja um motoqueiro

Abastece de remédios seu baú,

Monta nos círculos emborrachados,

Despede-se do vizinho marceneiro

Para mais uma entrega na zona Sul.


Sua jubilosa missão é vidas salvar,

Entregando encapsulada medicina,

Arriscando cônscio, seu próprio pulsar.


O alfaiate da celulose

Que há muito em nada mexia,

Nem em suas raízes,

Nem em sua apatia,

Com indiferença os rapazes ao lado via.

Não conseguia mais se mover para criar

Havia deixado a madeira para outro usar.


Muitas sacolas um dia o garoto

Precisava despachar e,

Ajuda de um garupa teve

Para a encomenda levar.


Quando a poucos metros

De olho nas rodas da dupla

Um bum o marceneiro ouviu ecoar:

Carro chocando,

Sirene chegando,

Sangue jorrando.


Metade das vidas se foi no desacelerado peito

E da outra não restou o pulso direito.


No girar de emoção o entregador se perdeu.

O amor por salvar vidas não mais sentia,

Sentado em sua profunda melancolia

Que a inerte morbidez lhe concedeu.


Triste rotina o marceneiro assistiu

Por semanas a fio

Até que num despertar de comoção

Fez-se voltar à ação

E seu dom a esperança o restituiu.


Sem remetente, o jovem o lacre abriu

De um pacote que em sua moto surgiu

E uma mão de madeira lá viu.


Para o lado olhou renascido,

Uma lágrima brotou, comovido.


O talentoso velho

Uma nova vida construiu

Ao garoto que,

De viseira aberta

O rumo retomou

E ao asfalto partiu.

29 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page